Meu irmão faleceu em 2013. Era um lindo e competente irmão, filho, médico obstetra, paizão e bom marido. Falo dele sempre, como um disco que fica tocando. Ando pensando em engravidar e no quanto ele queria que isso me acontecesse. “Gorda, tu tens que ser mãe!”. Ele me chamava assim – e só ele poderia apelidar uma irmã de “gorda” e ainda assim ser carinhoso. Ele me provocava, treinava em mim meus elásticos emocionais, me desafiava para a vida.
Dono de frases impactantes e marcantes, conseguiu que eu tatuasse a frase que ele me dizia quando eu tentava controlar as coisas. Dizia: “Gorda (de novo), segue o fluxo”, e mexia as mãos em movimentos circulares. Falava que o micro se reproduz no macro e que então eu tinha que ser feliz dentro de mim para que eu fosse capaz de reproduzir esta mesma felicidade fora. Tudo muito simples, profundo e com bastante sentido.
Meu trabalho me desafia em minhas angústias e crises quase o tempo todo. Procuro essa imersão em minhas histórias, essa revisão da minha biografia e, portanto, me proponho ao lindo reencontro com minha própria natureza. Acabo atraindo pessoas do mesmo estilo, que amorosamente me confiam a parceira para a jornada da autodescoberta e do alcance de suas metas.
Com a morte do Junior, herdei um de seus jalecos, sua prancha de surfe e o vastíssimo conteúdo de seu computador – com os materiais do processo de coaching para grávidas e dos livros que ele estava ensaiando.
Com a prancha remei no mar, mas deixei na casa da mãe, à espera dos meus sobrinhos terem idade para usá-la; os arquivos, tenho em meu computador, para que sejam adequadamente usados quando eu engravidar – e então publicar esse resgate e minha experiência com os textos dele – como um médico anjo. E o jaleco permaneceu comigo durante esses cinco anos e três meses, até sentir que eu precisava transformar seu uso na última semana.
Tenho um cliente que, como sempre, se tornou um amigo. Me mandou mensagem dizendo que gostaria de conversar comigo antes de sua prova no Enem. Ele está no terceirão e sonha em ser médico. Marcamos nossa reunião na quinta-feira, às 15h. Conversamos durante uma meia hora e desci para pegar o meu presente para ele. Entreguei o jaleco, que tem bordado o nome do meu irmão, a logomarca de seu consultório, e as histórias de mais de 5 mil partos de um médico que naquele momento eu desejei que abençoasse o
próximo doutor.
Meu desapego mais bonito está encerrando 2018, abençoando esse meu querido futuro médico, da mesma forma que eu desejo que abençoe e transfira a mesma força, inteligência e autenticidade que o Junior tinha para todo aquele que empenhar seu esforço, seu suor e sua fé na prova deste final de semana – que pode ser a do Enem ou a de promover em sua vida um desapego que abençoa o próximo.
Vanessa Tobias – Revista Versar