Eu tinha dois ou três anos quando larguei a chupeta. Minha mãe conta que estávamos a caminho de Minas Gerais para visitar a família na época do Natal, quando na saída de casa encontramos a Dona Júlia. Ela me viu nascer, e a sua família me paparicou e me cuida até hoje. São os vizinhos que viram família e que nos são indispensáveis e por quem sempre teremos gratidão. As duas se juntaram num papo e perguntaram se eu queria deixar a chupeta para o Papai Noel. Minha mãe diz que eu nem pensei: tirei da boca, entreguei na mão da Dona Júlia e fosse o que Deus quisesse. Devo ter pensado: “Estou grandinha, já não preciso mais da chupeta e ainda vou ganhar uns pontos com o Papai Noel”.
Lógico que realmente não lembro desse dia, mas me orgulho muito do que me contam. Minha mãe diz que assim que me colocou no carro pegou a chupeta de volta e deixou na bolsa com medo do meu arrependimento. E, eu?! Nunca mais perguntei nem pedi o bico. Que menina fofa e determinada.
Quando a gente visita a lua não quer mais voltar para a terra. Ampliar nossa consciência nos faz perceber a liberdade que reside no saber frustar-se e também em dar para as coisas a sua importância e o seu tamanho real. Era só uma chupeta e eu nem tinha
nascido com ela.
Com a chegada do nosso filho, estamos alinhando a forma como pretendemos educá-lo. Na verdade, nunca fiz tão profunda revisão dos meus próprios hábitos e princípios – sabendo que não adiantará nem será justo cobrar ou exigir que ele se torne alguém diferente da realidade em que ele construirá o seu caráter. Sempre penso que se quero mudar a próxima geração, ainda estou em tempo de transformar a minha. Me incomoda quando falam que as crianças são o futuro – e também o são – mas e eu com minha responsabilidade de evoluir?! Uma escola essa gravidez.
Mas, curiosamente, ainda não encontrei em alguém que tenha filhos o suporte para que o João Ricardo não use chupeta – olha ela voltando da bolsa da minha mãe para o presente. Viramos uma piada geral no chá de bebê quando nos perguntaram: ele vai poder usar bico? E eu e o Ricardo dissemos que pretendemos que não. Muita coisa que se coloca na boca fica difícil de tirar depois. A gente quer tentar, sem pretensão. Só vamos saber se vai dar certo, fazendo, enfrentando os chorinhos e alguns dias com as famosas noites de insônia que certamente todos vão dizer que existem. Mas temos a meta.
E nada, claro, como contestar uma realidade limitante – isso sempre me atraiu. Estamos aqui para qual fim, afinal?! Fico associando o choro do bebê com a capacidade de expressão, com comunicar, diálogo em primeiro nível. Quantas coisas eu tento dizer hoje e não consigo porque acho um bico ou porque me colocam um bico na boca: “Vai usar chupeta, sim!!”
Achei curioso quando no chá, em uníssono nossos amigos disseram: “deixa ele nascer que você vai ver”. E, brinquei – dando risada e bastante surpresa: e essa torcida contra?! Pensei que iam perguntar as razões e quais seriam nossas estratégias para a façanha! Acredito que as limitações que vemos nos outros são na realidade nossas próprias limitações projetadas. Seria difícil conviver com a existência de uma família que conseguiu retirar do filho as chupetas da vida? Quais habilidades eu precisaria criar e quais hábitos precisariam ser mudados? Nunca será fácil estar errada, mas deve ser desejável estar errado sobre os limites.
É genial visitar o pior que pode acontecer – tirando questões de saúde, porque daí é outro assunto – porque nos prepara para o cenário, daí podemos ter planos de ação. Choros longos, noites de insônia, hormônios a toda, sensualidade esgotada em 40 dias sem os tons de cinza da vida a dois – me disseram que dura mais a falta de tesão pelas coisas e pelo outro: e fico pensando “ai de mim, se eu estiver bem e namorando ainda depois do bebê chegar”. É quase que desconfortável essa perspectiva da felicidade e quase me sinto uma pecadora – querendo manter algum ritmo, se possível, de admiração e atração pelo homem que escolhi para estar comigo. Diferente disso é que eu deveria dizer: “ah! não! tem alguma coisa fora do lugar”.
A gente precisa ter firmeza para viver as nossas escolhas e humildade para aprender no caminho com as suas falhas. Tornar-se admirável para si mesmo é um presente que se cativa em silêncio e com a inspiração das escolhas bem feitas diariamente. De outro jeito, é preciso ter com quem contar para chorar – de preferência alguém sem bico em casa e doido para nos escutar.